Inovação que reduz burocracia e aumenta eficiência, diz procurador-geral Rafael Arruda sobre Fundeinfra

21 junho 2025 às 21h01

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O Estado de Goiás está implementando um novo modelo de contratação de obras públicas que dispensa a necessidade de licitação. A iniciativa se fundamenta na Lei Federal nº 13.019/2014, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), e visa ampliar a eficiência na execução de projetos de infraestrutura por meio de parcerias com entidades do terceiro setor.
Em relação a esse assunto, há um embate entre a Procuradoria-Geral do Estado e o Ministério Público (MP). No entanto, o procurador-geral do Estado, Rafael Arruda, afirmou ao Jornal Opção que quem orienta o governo é a Procuradoria, e não o MP.
A nova modalidade de contratação já foi aplicada com êxito na construção do Complexo Oncológico de Referência do Estado de Goiás (Cora), em Goiânia. Iniciadas em fevereiro de 2023, as obras avançam em ritmo acelerado.
O modelo tem como objetivo reduzir a burocracia e aumentar a eficiência na aplicação dos recursos públicos. A adoção desse formato não dispensa a atuação dos órgãos de controle, que continuam fiscalizando todas as etapas do processo.

O presidente da Goinfra, Pedro Sales, ressalta que o setor de infraestrutura é vulnerável a riscos de corrupção e lavagem de dinheiro, e que os processos tradicionais de licitação muitas vezes impõem prazos excessivamente longos sem garantir maior segurança. “A responsabilidade com o recurso público permanece a mesma, mas agora teremos mais qualidade, agilidade e cumprimento de prazos. O chamamento prevê a priorização de empresas com maior capacidade técnica, e não apenas daquelas que oferecem o menor preço”, afirma Sales.
Segundo o procurador-geral do Estado, Rafael Arruda, o novo formato representa uma forma inovadora de atuação do poder público. “Aqui é o Estado de Goiás buscando desenvolver novas formas de celebração de parceria social. Ou seja, é o Estado disciplinando a celebração de ajuste de parceria com entidades do terceiro setor. É o Estado atuando na área do fomento, fomento público, fomento estatal”, explicou.
Arruda reforça que não há qualquer irregularidade na iniciativa. “Nós não temos nenhuma ‘invenção de moda’. O que há é a reprodução no âmbito estadual de uma disciplina nacional, quando se sabe que o Estado federado tem competência para dispor sobre fomento público, fomento estatal”, pontuou. “Não se tem nenhuma usurpação de atribuição da União, porque a União legisla sobre licitações e contratos administrativos, que não é o caso aqui.”
Segundo ele, como não se aplica a Lei de Licitações, também não se trata de contrato administrativo. “A grande questão que talvez as pessoas não entendam é que não há que se falar em licitação, muito menos em contrato administrativo. Tratamos de termo de colaboração com entidade do terceiro setor”, detalhou.
A proposta, no entanto, tem enfrentado resistência. “Isso tem gerado resistência de órgãos de controle, a exemplo do Ministério Público. Quem está à frente disso é a promotora Leila Maria, porque ela entende que o Estado tem de licitar, tem de celebrar contrato administrativo”, afirmou. “Isso é muito comum no Brasil, onde há uma certa maldição do regime jurídico único, como se todos os ajustes celebrados pelo poder público fossem contratos administrativos.”
Arruda argumenta que a contratação via terceiro setor é um modelo legítimo e alternativo ao tradicional. “Temos os contratos de PPP, parcerias com o terceiro setor, concessões de obra pública. Ou seja, há uma variedade de modelos de provisão por meio dos quais o poder público oferta infraestrutura pública. Precisamos superar dogmas.”

Sobre a Lei nº 13.019/2014, o procurador detalha que ela prevê repasse de verbas públicas a entidades privadas sem fins lucrativos para execução de atividades de relevância pública, por meio de termo de colaboração. “É uma lei que trata de parceria social nas mais diversas áreas. O poder público fomenta e celebra relações com entidades do terceiro setor”, explicou.
Arruda defende que o modelo supera deficiências do modelo tradicional. “A Lei de Licitações e Contratos Administrativos não dá conta de todos os problemas da contratação pública tradicional. Temos licitantes que ganham e não executam, outros que mergulham no preço e abandonam a obra, sem contar a corrupção. Construtoras monopolizam contratações públicas.”
O novo modelo será inicialmente aplicado apenas às obras do programa Fundeinfra. “É um projeto piloto, mas, se for exitoso, poderá ser replicado por outras administrações. As dificuldades com licitações não são exclusivas de Goiás. Todos os estados enfrentam isso”, explicou.
Segundo ele, o modelo promove mais eficiência. “Temos um parceiro privado que executa, com base no seu próprio regulamento de contratações, as atividades correspondentes. Isso garante mais eficiência, menos burocracia, mais celeridade”, justificou.
Questionado sobre a dispensa de chamamento público, Arruda esclarece: “A Lei 13.019 trata de hipóteses de dispensa e inexigibilidade. O caso aqui é de inexigibilidade, conforme o artigo 31 da lei, quando a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade civil autorizada por lei que identifique expressamente a entidade beneficiária. É o caso do IFAG.”
Sobre a escolha do Instituto para o Fortalecimento do Agronegócio de Goiás (IFAG), ele enfatiza que não houve favorecimento. “A lei do Fundeinfra exige que o parceiro privado guarde pertinência temática com os setores que contribuem para o fundo: agro, pecuária, mineração. O IFAG tem como finalidade institucional o fomento de atividades de infraestrutura agropecuária, modais de transporte, recuperação, manutenção.”
Arruda também garantiu que haverá fiscalização. “A lei fixa mecanismos de controle. O parceiro privado terá representantes do poder público no conselho de administração. Haverá governança pública, com participação da Controladoria-Geral do Estado, da secretaria supervisora, da Goinfra e da Agência Goiana de Regulação.”
Diante de críticas que associam o modelo a uma suposta tentativa de acelerar obras com fins eleitorais, ele rebate: “Essa é uma narrativa política completamente equivocada. O que almeja a população? Obras de infraestrutura, rodovias, pontes. Cabe ao poder público alcançar esse resultado.”
O Ministério Público recomendou que o Estado não celebre a parceria com o IFAG, mas a Procuradoria-Geral do Estado se posicionou de forma contrária. “Recebemos a recomendação, estudamos, e dissemos ao governador e às autoridades que as alegações do Ministério Público não se sustentam. Há juridicidade no modelo construído. Recomendação não é ordem. Quem orienta a administração é a PGE”, rebateu.
Arruda reforça o objetivo da proposta. “Queremos construir soluções inovadoras. A administração pública que conseguir identificar um meio mais eficiente, menos burocrático e mais célere de executar obras públicas, com controle, servirá de exemplo para o restante do país.”

Rafael Arruda critica postura do MP
Rafael Arruda, criticou a atuação do Ministério Público na tentativa de barrar o novo modelo. Segundo ele, a promotora de justiça Leila Maria apresentou diretamente ao Procurador-Geral da República (PGR) uma representação pedindo o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), sem diálogo prévio com o Executivo goiano ou a Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
“Veja só que curioso. Naquele momento, ela não procurou a administração. Ela sequer procurou a PGE. Poderíamos ter tido esse tipo de conversa. Porque, numa democracia, os órgãos de controle têm o desafio de apresentar bons argumentos uns aos outros — com racionalidade e razoabilidade”, afirmou Arruda.
O procurador disse que soube da representação pela imprensa e tentou abrir diálogo com a promotora. “Solicitei audiência, pedi um horário com ela. A resposta que obtive foi de que não teria condições de me receber. Estava com a agenda cheia. Ora, um órgão do Ministério Público numa democracia precisa estar aberto ao diálogo”, criticou.
Arruda enfatizou que a recomendação do MP, que busca impedir a formalização da parceria entre o Estado e o terceiro setor, não tem caráter vinculante. “É uma recomendação facilmente refutável pela PGE. O Estado de Goiás, com base na Constituição Federal e nas leis do país, tem total condição de avançar nesse modelo — e vai avançar, a não ser que haja uma decisão judicial determinando o contrário. Até agora, não existe qualquer ADI no STF, nem no TJ-GO, nem ação civil pública no Judiciário goiano.”
O modelo, que está sendo desenvolvido, ainda está na fase preparatória, segundo o procurador. “Trata-se de algo ousado, inovador e complexo. Exige análise de minutas, elaboração de documentos financeiros e diversas etapas técnicas. A administração não parou, pelo contrário, avançou muito na última semana, e acredito que muito em breve tenhamos o termo de colaboração assinado”, informou.
Sobre o acompanhamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Arruda destacou que o modelo está sendo construído com o apoio do órgão. Arruda ressalta ainda que desde o início, o presidente da Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra), Pedro Sales — que também acumulava a presidência na secretaria de Infraestrutura (Seinfra) — esteve envolvido no desenho legislativo. “O Estado celebrou um Termo de Ajuste de Gestão com o TCE, que acompanha todos os desdobramentos da modelagem. O Tribunal de Contas, que também é um órgão de controle externo, como o MP, tem validado tudo”, reforçou.
Arruda apontou que a promotora de justiça tem dificultado o avanço do projeto com recomendações que vão na contramão da avaliação técnica da PGE. “Em algum momento, ela terá que afirmar que o Tribunal de Contas também comete ilegalidade, o que não faz sentido. A PGE garante a juridicidade, a legalidade e a constitucionalidade do modelo, dando total segurança aos decisores políticos”, sustentou.
Ao ser questionado sobre experiências semelhantes em outros estados, como o Mato Grosso, Arruda esclareceu que não se trata de cópia, mas de uma aproximação de modelos. “Mato Grosso também enfrenta dificuldades com licitações que não andam. É um estado próspero, buscando alternativas para tirar as políticas públicas da prancheta”, disse.
O procurador-geral acredita que, se bem-sucedido, o modelo goiano poderá servir de referência para outros estados e municípios. “O que a população quer é um modelo sem sobrepreço, sem aditivos, sem corrupção e que seja rápido. Esse modelo oferece tudo isso.”
Ele defendeu a superação de dogmas da administração pública, como a obrigatoriedade do uso da lei de licitações para qualquer obra. “Quando me tornei procurador há quase 20 anos, o poder público não fazia acordo, recorria de tudo. Isso mudou. Hoje, reconhece erros, celebra acordos, reconhece direitos. A indisponibilidade da coisa pública não pode ser usada como desculpa para inércia.”
Arruda fez críticas diretas à promotora Leila Maria por tentar, segundo ele, intimidar gestores públicos com ameaças veladas de improbidade. “A recomendação dela faz advertências de que o não acatamento poderá configurar dolo específico. Isso é inadmissível. O direito é dialético, admite debate, mas ela não me recebeu. Improbidade exige dolo, vontade consciente de causar dano. Como se pode presumir dolo por não seguir uma recomendação? Presunções são criadas por lei, não por atos de autoridade”, afirmou.
Ele classificou a postura da promotora como intimidadora. “Esse modus operandi pode funcionar com outras autoridades, mas não com o Estado de Goiás. O governador não toma decisões sem ouvir a PGE. A tentativa de constrangimento não vai funcionar aqui.”
Por fim, Arruda disse que o MP questiona completamente o modelo e insiste que apenas a lei de licitações seria aplicável. “Mas há um leque de possibilidades: contratos administrativos, PPPs, concessões comuns e parcerias com o terceiro setor. E quem decide, num ambiente de discricionariedade, é o administrador público, não o órgão de controle. Nosso papel na PGE é garantir que a decisão final seja do governador do Estado”, concluiu.

Apoio do TCE
O modelo de contratação conta com o respaldo do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO). O vice-presidente da Corte, conselheiro Sebastião Tejota, destacou a experiência da Goinfra na construção do Hospital Estadual da Criança e do Adolescente (Cora) como exemplo bem-sucedido.
“A medida é essencial para o rápido avanço das obras, que representam uma aplicação eficiente dos recursos públicos. Construímos uma relação de confiança e parceria com as equipes envolvidas. Temos plena convicção de que tudo o que foi feito até agora contribuiu para alcançar esse estágio avançado da obra”, concluiu Tejota.
Modelo aprovado
O conselho gestor do Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra) aprovou na terça-feira, 17, a nova modalidade de contratação.
O secretário de Infraestrutura, Adib Elias, defendeu o modelo associativo e citou outros exemplos de parcerias com empresas como Comigo e Cereal, que investem recursos do Fundeinfra em estradas, como a ligação entre Montividiu e Quirinópolis.
“Tem esse novo modelo associativo que tem toda a aprovação da Procuradoria-Geral do Estado para que seja convertido. Semana que vem homologaremos o contrato, tudo alinhado com a PGE. Sou a favor. Minha posição eu falo com muita tranquilidade: nós temos que fazer estrada”, declarou.

Adib destacou a disponibilidade financeira para investimentos: “Nós temos 2 bilhões e 300 milhões no caixa. Vai entrar até o fim do ano que vem mais 2 bilhões e duzentos, num valor total de 5 bilhões e meio. Precisamos arrumar um mecanismo. Já passamos até o Rio Grande do Sul em produtividade de grãos e precisamos ter estrada para escoar isso.”
Ele reforçou o respaldo jurídico do modelo: “Alicerçado na Procuradoria, na legalidade, eu sou a favor.”
Sobre a crítica do Ministério Público, Adib afirmou que “essa é uma discussão que terá que ser debatida com a Procuradoria-Geral do Estado.”
MP rebate procuradoria
O Ministério Público do Estado de Goiás divulgou nota para esclarecer e reafirmar a legitimidade de sua atuação, após declarações feitas pelo procurador-geral do Estado. O MP destaca que sua atuação é constitucional, autônoma e voltada à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais. As recomendações feitas por seus membros têm caráter preventivo e não coercitivo, com base em critérios técnicos e jurídicos, visando à melhoria da gestão pública e à proteção do interesse público.
O órgão ressalta que divergências entre instituições são naturais em um Estado democrático, mas devem ocorrer com base técnica e respeito institucional. “O MP-GO reafirma seu compromisso com a legalidade, o interesse público e a defesa dos direitos da sociedade, mantendo uma atuação independente e firme”.
IFAG
A reportagem entrou em contato com o IFAG, que, por meio de sua assessoria, informou estar aguardando definições na área jurídica e que só se pronunciará após a eventual assinatura do termo de cooperação.
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