Cristiane Schmidt e Greice Guerra criticam aumento do IOF: ‘amadorismo tremendo’ e ‘Tiro no pé’

30 maio 2025 às 12h45

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O aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), decretado recentemente pelo governo federal, foi recebido com duras críticas de parlamentares e economistas, que apontam impactos negativos na economia real. A nova alíquota do IOF afeta diretamente uma série de operações financeiras, como uso do cartão de crédito, financiamentos, aplicações e transferências de moeda estrangeira.
O governo argumenta que a medida é necessária para garantir o cumprimento do novo arcabouço fiscal, mas o clima em Brasília é de resistência. Em entrevista ao Jornal Opção, a economista e analista de mercado Greice Guerra Fernandes avaliou que a estratégia do governo é preocupante. Ela explica que o IOF não tem como principal função a arrecadação, mas sim a regulação do mercado financeiro. “O governo está dando um tiro no pé. Vai encarecer o crédito, abalar a confiança dos investidores e comprometer o consumo da população”, disse.
O Jornal Opção também ouviu a economista Cristiane Schmidt, ex-secretária de Economia de Goiás, que classificou a ação do aumento do IOF como um “amadorismo tremendo” e alertou para os riscos de se utilizar um imposto regulatório como ferramenta arrecadatória.
De acordo com Schmidt, o governo federal cometeu um erro estratégico ao manipular o IOF para fins fiscais. “Foi muito ruim, porque esse tributo, IOF, é um tributo regulatório”, declarou. Ela explicou que esse tipo de imposto foi concebido para permitir intervenções pontuais e ágeis no mercado, sem que o Executivo precise obedecer aos protocolos tradicionais que regem os demais tributos — como a noventena e a anualidade, exigidos pela Constituição.
Nesse sentido, utilizar o IOF como instrumento arrecadatório contorna os princípios de legalidade estrita e de debate parlamentar, abrindo caminho para críticas sobre a legitimidade da ação. “Ele resolveu usar isso para fazer um tributo não regulatório, mas sim arrecadatório. É usar um instrumento errado”, criticou Schmidt. Ela afirmou ainda que essa escolha tem impactos severos: eleva o custo do crédito, inibe investimentos e prejudica o crescimento econômico.
Greice também destacou a contradição da medida ao lembrar que, ao mesmo tempo em que o governo tenta estimular o consumo com redução de juros, impõe um novo custo sobre o crédito. “Você paga uma taxa de juros menor, mas um IOF maior. Troca seis por meia dúzia”, criticou.
Além disso, a economista apontou que a medida recai sobre uma população já altamente onerada por impostos. “O cidadão paga 27,5% de Imposto de Renda sobre seus rendimentos e ainda enfrenta uma das maiores cargas tributárias do mundo. Aumentar o IOF é transferir o peso do rombo fiscal para as costas do setor produtivo e das famílias”, afirmou.
Greice também lembrou que o IOF é praticamente invisível para a maioria da população, o que agrava seu efeito. “O Brasil é um país carente de educação financeira. Muita gente paga IOF sem saber, seja no cartão de crédito ou num financiamento. Isso compromete o poder de compra e alimenta o endividamento das famílias”, explicou. Segundo ela, a medida pode intensificar o ciclo vicioso da dívida. “A pessoa compra um bem parcelado, não entende o que está pagando de IOF, e quando vê, está enrolada em uma bola de neve. Isso atinge principalmente os brasileiros com renda mais baixa, que vivem com até dois salários mínimos”, completou.
Ao destacar que o Brasil possui uma carga tributária elevada — cerca de 34% do PIB — a economista Cristiane Schmidt reforçou a insatisfação generalizada da população com a tributação excessiva frente à precariedade dos serviços públicos. “Ninguém aguenta mais aumentos de tributo no Brasil. O brasileiro paga muito tributo pelos serviços que tem”, disse. Para ela, comparar o Brasil com países como a Noruega, onde a carga tributária também é alta, não faz sentido. “Lá você não paga por nenhum serviço. Educação, saúde… Você não tem que pagar um flanelinha, uma empresa para cuidar do seu carro”, ironizou.
Greice Guerra ainda comentou sobre a política fiscal adotada desde de 2023. “O governo abandonou o teto de gastos e criou um arcabouço fiscal baseado em arrecadação incerta. Está gastando como se não houvesse amanhã, anunciando políticas sociais. Não que não devam existir. As políticas sociais são muito importantes. Mas o governo não está considerando o impacto, porque quanto mais ele gasta, maior é o rombo fiscal nas contas públicas. Então ele vai ter que quitar isso de alguma maneira”, alertou.
A economista também criticou a condução do arcabouço fiscal pelo governo Lula, considerando que ele “deu um tiro no pé” ao revogar o teto de gastos. Para Schmidt, ao vincular o aumento do salário mínimo a diversos benefícios previdenciários e assistenciais, a equipe econômica agravou a situação fiscal. “Na hora que você quer dar um aumento real do salário mínimo, você deveria não ter nenhum benefício vinculado a ele. Eles erraram no começo do governo de forma que eles mesmos estão se matando.”
Para a economista Greice Guerra, o problema está na raiz dos gastos públicos. “Quanto maior o gasto, maior a arrecadação, a taxação. Então a lei de oferta procura, os preços aumentam e do momento que o preço aumenta, aumenta a inflação. A inflação aumentando o Banco Central tem que entrar e aumentar a taxa Selic, aumentar os juros. É um efeito dominó. Tudo começa lá no gasto público. O governo precisa voltar ao teto dos gastos, que foi abandonado em 2023”, afirmou.
A ex-secretária de Economia de Goiás, Cristiane Schmidt, também apontou que o aumento do IOF, na prática, encarece o crédito para empresas e pessoas físicas. “O Lula não fica reclamando tanto da Selic que está lá em cima, que tem que diminuir. Sabe o que ele acabou de fazer? Aumentar o crédito. Quando você institui um tributo de 3,5% sobre o custo do crédito, você aumenta o spread bancário e as taxas de juros.” Ela frisou que essa decisão tem efeito direto sobre a desaceleração dos investimentos privados, essencial para a retomada do crescimento.
Para Schmidt, o atual governo evita encarar o cerne da questão — os gastos — e prefere encontrar soluções paliativas que oneram ainda mais a sociedade. “O governo está passando por uma crise fiscal muito grande. Se temos uma taxa Selic de 14,5% e os juros de mercado acima de 15%, é porque há um problema fiscal grave”, advertiu.
O impacto político da medida também ganhou força nos últimos dias. No Congresso, cresce o movimento pela derrubada do decreto que elevou o IOF. Em uma publicação nas redes sociais, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou ter levado ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o recado de insatisfação dos parlamentares. “O clima é para derrubada do decreto do IOF na Câmara”, disse.
A tensão ficou evidente na reunião entre Haddad, Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), realizada na quarta-feira (28). Segundo fontes, o encontro foi “muito mais tenso” do que o relatado por Haddad à imprensa. Os líderes das duas Casas deram um ultimato ao ministro e exigiram alternativas para o aumento de arrecadação.
Segundo Schmidt, “houve uma gritaria” diante da manobra fiscal. “Se o IOF é utilizado com finalidades fiscais, ele deixa de ser regulatório. E aí ele teria que obedecer os mesmos princípios dos demais tributos”, afirmou. Outro ponto apontado por Schmidt diz respeito à tentativa frustrada de controle cambial com o IOF, que foi revertida no mesmo dia da sua publicação. “Ele colocou e tirou no mesmo dia o câmbio. Acho que ele vai acabar tirando esse aumento do IOF de tudo e vai usar dinheiro de fundos”, previu.
A Fazenda, por sua vez, sustenta que a elevação do IOF foi necessária para evitar um contingenciamento ainda maior do Orçamento de 2025, que já prevê o bloqueio de R$ 31 bilhões em despesas. Segundo integrantes da equipe econômica, os anúncios simultâneos — aumento do IOF e corte de gastos — foram estratégicos para fechar as contas públicas.
Mas o argumento não convenceu os líderes do Congresso. Motta e Alcolumbre deixaram claro que, se o decreto for levado ao plenário, será derrubado. Haddad, em tom preocupado, alertou para o risco de um shutdown — paralisação de serviços públicos — caso o aumento do IOF seja revertido sem uma fonte alternativa de receita.
A resposta de Hugo Motta, contudo, foi contundente. O deputado afirmou que talvez seja necessário chegar a esse ponto para que se tome uma atitude responsável.
Além disso, o Ministério da Fazenda informou na quarta-feira, 28, que vai utilizar recursos de fundos públicos como alternativa. O governo federal resgatará R$ 1,4 bilhão do Fundo Garantidor de Operações (FGO) e do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC). Segundo a pasta, esses recursos não estavam comprometidos, o que permite seu uso sem prejudicar o funcionamento dos fundos.
A economista Cristiane Schmidt também frisou essa questão do uso recorrente de fundos públicos como manobra orçamentária. “O fundo é uma criatividade brasileira, feita para engessar mais ainda o orçamento. A receita entra, mas um naco vai ficar para mim”, explicou. Schmidt lembrou sua gestão em Goiás, quando reduziu de 45 para 18 o número de fundos estaduais, priorizando apenas aqueles exigidos pelo governo federal para o repasse de recursos.
Em relação à situação fiscal do país, a economista foi categórica ao dizer que o problema central está nos gastos obrigatórios, que não param de crescer. “A nossa dívida PIB vai continuar aumentando porque esses gastos obrigatórios que o governo criou são uma aberração”, disse. Ela reforçou que a solução precisa passar por uma reforma da Previdência e por ajustes estruturais na folha de pagamento dos entes federativos. “O principal gasto nos estados e municípios é a folha. No governo federal, é o INSS. Precisamos cuidar disso.”
Segundo Schmidt, enquanto os gastos públicos não forem reduzidos, o governo continuará tentando elevar a arrecadação de forma improvisada. “Há uma sanha arrecadatória que o brasileiro não aguenta mais. O empresário não aguenta mais. E ele tem toda a razão”, afirmou. Para Schmidt, a atitude demonstra “muita incompetência junta”.
A ex-secretária ainda comparou a fragilidade de Haddad com a situação que viveu em Goiás. “Um ministro sem o apoio do presidente da República não consegue fazer o dever de casa”, declarou. Ela disse que só conseguiu executar o ajuste fiscal no Estado porque teve o apoio integral do governador Ronaldo Caiado. “Eu sempre digo isso, não existe responsabilidade social sem responsabilidade fiscal”, ressaltou.
A economista Greice Fernandes também reforça que a solução não está na taxação excessiva, mas na revisão dos gastos e na construção de uma política tributária mais justa. “O Brasil precisa de reformas estruturais, de limites de responsabilidade e de educação financeira. Do jeito que está, o peso vai continuar nas costas de quem menos pode carregar”, concluiu.
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