Condenada a dez anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) afirmou que deixou o Brasil para tratar uma doença rara: a Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), considerada incurável. Em pronunciamento recente, Zambelli alegou que “não sobreviveria na prisão” devido às condições de saúde que a tornariam, segundo ela, dependente de cuidados especiais e remédios contínuos.

Após se declarar em solo americano e manifestar a intenção de se mudar para a Itália, a parlamentar passou a ser alvo de pedido de prisão preventiva pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Diante da repercussão, o Jornal Opção conversou com a médica neurocirurgiã e professora da Faculdade de Medicina da PUC-Goiás, Dra. Ana Maria Moura, que esclareceu os principais aspectos da doença e comentou a declaração da deputada.

A especialista explica que a Síndrome de Ehlers-Danlos é uma condição genética rara, que afeta o colágeno – proteína essencial para garantir elasticidade, resistência e estrutura aos tecidos do corpo. “É um grupo de doença genética, bem rara, que vai afetar o colágeno. Que é o responsável por esse cuidado a todos os tecidos do nosso corpo, como a pele, a articulação, vasos sanguíneos, artérias, veias, os órgãos”, afirmou a médica.

A disfunção no colágeno compromete desde a estabilidade das articulações até a integridade de vasos sanguíneos, o que pode causar hemorragias frequentes. Além disso, existem diferentes formas da doença – treze subtipos –, sendo a mais comum a do tipo hipermóvel. “Pessoas que trabalham no circo, por exemplo, e que têm facilidade de se contorcer, virar os dedinhos, virar o pé. Elas geralmente só conseguem porque têm essa síndrome”, explicou.

Com relação ao tratamento, a Dra. Ana Maria ressalta que o Brasil oferece uma ampla estrutura para o manejo clínico da SED. “O diagnóstico da doença geralmente é clínica, porque dá para a gente ver essa hipermobilidade como é a mais comum. Quando a gente desconfia, a gente pode pedir o teste genético. Até aqui a gente tem tudo isso, né?”, observou.

Sobre a alegação de Zambelli de ter deixado o país por necessidade de tratamento, a médica é enfática ao afirmar que a única razão justificável para buscar terapias fora do Brasil seria a terapia gênica. Esse tipo de abordagem, embora ainda não disponível especificamente para a SED em território nacional, já vem sendo aplicada para outras doenças genéticas raras no país. “A única coisa que eu acho que talvez possa ser, que nós estamos trabalhando muito para ter, é terapia gênica, porque a terapia gênica trabalha corrigindo o defeito diretamente do DNA da célula, isso introduzindo material genético saudável”, explicou.

Segundo a doutora, no Rio Grande do Sul, por exemplo, o Centro de Atenção Integral e Treinamento em Doenças Raras (Casa dos Raros), sob liderança do médico geneticista Roberto Giugliani, já começou teste de aplicação da terapia gênica para casos como a mucopolissacaridose. Ainda assim, a Dra. Ana Maria enfatiza que, para a SED, esse tipo de tratamento não está em prática no Brasil, o que pode ter motivado Zambelli a buscar atendimento no exterior.

Além disso, segundo a médica, os cuidados clínicos recomendados para pacientes com a síndrome são amplamente acessíveis no sistema de saúde brasileiro. “Fisioterapia, temos no Brasil. O tratamento desse cansaço que eles ficam por conta de uma disfunção autonômica, nós temos, são medicações simples cardiológicas, tipo beta-bloqueadores, temos aqui. Psicoterapia, temos excelentes psicólogos aqui”, enumerou. A lista também inclui geneticistas, reumatologistas, ortopedistas, fisiatras, cardiologistas, gastroenterologistas e urologistas.

Em relação à declaração da parlamentar de que não poderia sobreviver à prisão, a Dra. Ana Maria pondera que a condição exige, de fato, cuidados constantes, mas que esses são viáveis com acompanhamento clínico adequado. “É muito fácil ter a certeza se tem ou não a Síndrome de Ehlers-Danlos com o teste genético. Aí se deu positivo, não tem como contestar. O tratamento é preciso ter um controle fixo dessa dor, a cama que a pessoa com a síndrome dorme tem que ser adequada, não pode ter muita estrutura, então são coisas que podem ter feito ela dizer isso”, avaliou.

Outro ponto levantado pela especialista é a dificuldade no diagnóstico precoce da síndrome. Apesar de a pessoa já nascer com a condição, os sinais se tornam mais evidentes com o passar dos anos. “O neném fica difícil de a gente ver, então a partir do momento que a pessoa vai crescendo, vai ficando mais fácil de diagnosticar. Mas a pessoa já nasce com ele”, explicou.

O perfil dos pacientes com a SED costuma incluir queixas recorrentes de dor, o que pode gerar confusões com outros diagnósticos, como fibromialgia. “O diagnóstico é clínico. Vai ser uma pessoa que reclama muito de dor, é o protótipo do paciente com dor crônica”, disse a médica. E completou: “Quem consegue ser funcional com dor? Ninguém! Ninguém consegue viver com dor o tempo inteiro”.

Por isso, segundo ela, o acolhimento médico e a escuta ativa são fundamentais. “Esses pacientes vão ter problemas psicológicos, vão ter que ser tratados com cuidados psiquiátricos… e o médico descobrindo essa síndrome, é muito importante encaminhar para um tratamento em equipe multidisciplinar”, reforçou.

De acordo com a neurocirurgiã, há ainda uma desvalorização da dor de quem convive com a síndrome, o que gera impactos emocionais profundos. “Geralmente essas doenças raras, invisíveis, as pessoas olham e enxergam como preguiça, né? Fazem pouco caso”, criticou. Para ela, a empatia no atendimento é essencial, pois muitos pacientes chegam aos consultórios descrentes e sem confiança nos profissionais. “Eles já chegam dizendo: ‘Eu não confio mais em médico nenhum’”, revelou.

Dessa forma, o sucesso no tratamento exige esforço conjunto entre equipe médica e paciente. “Eu sempre digo para os meus pacientes ‘Eu não dou conta de te ajudar, de te melhorar sozinho. Agora, se você trabalhar junto comigo, com a minha equipe, com certeza vai sair melhor daqui’. É possível melhorar”, destacou a Dra. Ana Maria.

Entre os cuidados diários recomendados para pessoas com a Síndrome de Ehlers-Danlos, estão evitar atividades de alto impacto, uso de palmilhas ortopédicas e evitar o sol excessivo, além de manter boa hidratação. A médica também explicou que a deputada tem uma condição associada, chamada Síndrome da Taquicardia Postural Ortostática (POTS), caracterizada por tontura ao se levantar rapidamente.

Por fim, diante do quadro clínico e da repercussão política do caso, a médica acredita que a decisão de buscar a terapia gênica fora do país pode ter sido um dos motivadores da viagem de Carla Zambelli. “O dela deve ser porque ela deve ter se assustado e falar: ‘não, eu quero um tratamento que haja logo diretamente na causa do problema’. Isso seria a terapia gênica. Eu imagino que só possa ser isso para ela procurar fora do Brasil”, concluiu.

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