Homens estão perdidos em seu papel na sociedade? Especialistas analisam crise da masculinidade

05 junho 2025 às 09h55

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Nos últimos anos, cresce em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, a percepção de que os homens jovens enfrentam uma crise silenciosa. Embora o avanço das mulheres na educação e no mercado de trabalho seja uma conquista necessária e incontestável, os dados revelam que muitos homens não estão conseguindo acompanhar essa mudança. Problemas como depressão, solidão, abandono escolar e suicídio se tornaram mais frequentes entre jovens do sexo masculino — e a dificuldade para lidar com novos papéis sociais agrava esse cenário.
Ao Jornal Opção, a psicóloga Ludmylla Camargos ressaltou que essa realidade tem ressonância significativa no Brasil. “Dados do IBGE e Ipea mostram que as mulheres têm avançado no nível educacional e no mercado de trabalho, enquanto muitos homens jovens enfrentam maior dificuldade de inserção produtiva e emocional.” Segundo ela, esse fenômeno precisa ser analisado com cautela, evitando conclusões alarmistas. Porém, não há como ignorar que a crise existe — e tem raízes profundas na forma como a masculinidade foi construída.
A psicologia oferece respostas para o sofrimento crescente entre homens de 15 a 29 anos. Estudos da Fiocruz e do Datasus indicam aumento nos casos de depressão, tentativas de suicídio e consumo abusivo de substâncias entre essa faixa etária. “O jovem homem brasileiro, muitas vezes, não encontra mais função clara e valorizada nos papéis tradicionais (provedor, chefe de família), mas também não foi preparado para os novos papéis que a sociedade demanda”, explicou Ludmylla.
De acordo com o doutor em sociologia e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Flávio Sofiati, essa situação está diretamente ligada à dificuldade de lidar com as transformações sociais impulsionadas pelas lutas feministas. “Trata-se de uma questão de misógina. O pano de fundo é a ideia de uma sociedade onde o homem só pode ser saudável se houver patriarcado. Qualquer ameaça ao patriarcalismo é danosa para a sociedade, pois afeta os homens”, afirmou ao Jornal Opção. Ele ainda afirmou que determinados conteúdos disseminados na internet “legitimam o feminicídio” e “autorizam a formação de movimentos de defesa de um tipo de masculinidade tóxica para as mulheres como, por exemplo, os incels.”
A análise dos especialistas converge para um ponto central: não são as conquistas femininas que estão causando sofrimento nos homens, mas a ausência de preparo emocional, a rigidez dos modelos tradicionais de gênero e a dificuldade em construir novas referências. A masculinidade clássica, baseada em autossuficiência, dureza e negação da vulnerabilidade, já não dá conta das exigências contemporâneas. “Essa tensão não é causada pelas mulheres, mas pela falta de preparo emocional e social dos homens para lidar com a mudança de cenário. O machismo, então, muitas vezes manipula essa dor masculina como se fosse culpa da ascensão feminina, o que não é verdadeiro”, destacou Ludmylla.
Ao contrário do que muitos pensam, o avanço feminino não é uma ameaça, mas uma oportunidade de transformação também para os homens. No entanto, ainda há grande resistência.
“Os homens, por estarem em posição de privilégio por muito tempo, não foram estimulados a se reinventar. Quando o mundo muda, eles sentem que perderam algo, em vez de perceber que também podem ganhar com a equidade. Enquanto as mulheres estão ensaiando e criando novos papéis com vitalidade, muitos homens ainda tentam atuar velhos scripts que não funcionam mais”, disse a psicóloga. Segundo ela, isso se manifesta em comportamentos como isolamento, uso excessivo de álcool, direção perigosa e até violência — formas indiretas de expressar dor emocional não verbalizada.
A dificuldade dos homens em criar redes de apoio emocional também é um fator preocupante. Ao contrário das mulheres, que costumam desenvolver relações mais profundas e solidárias, os homens ainda socializam com base na competição. “A amizade entre homens é, muitas vezes, baseada em atividades (esporte, trabalho, lazer) e não em trocas emocionais profundas. Há medo do julgamento, do rótulo de ‘fraco’ ou ‘afeminado’ se expressar sentimentos”, alertou Ludmylla.
Do ponto de vista internacional, especialistas como o professor Scott Galloway, da Universidade de Nova York, vêm alertando para a mesma crise nos Estados Unidos. “Quatro vezes mais probabilidade de se matarem. Três vezes mais probabilidade de contraírem dependência, 12 vezes mais probabilidade de serem presos. Níveis recorde de depressão”, disse em entrevista à BBC. Segundo ele, a geração atual de homens jovens está “economicamente e emocionalmente inviável”, o que compromete sua integração social e afetiva.
A solidão masculina, conforme apontado por Galloway, tem impactos profundos. Sem relacionamentos afetivos estáveis, muitos homens canalizam sua energia para videogames ou pornografia, enquanto as mulheres tendem a focar em amizades e na carreira. Além disso, ele nota uma disparidade crescente entre os gêneros: “Mulheres com menos de 30 anos de idade estão ganhando mais nos centros urbanos do que os homens. O que, diga-se de passagem, acho maravilhoso.”
A questão, no entanto, não se trata de impedir o progresso feminino, mas de criar condições para que os homens se adaptem. “A contribuição dos homens para o relacionamento, de forma geral, não acompanhou a ascensão e o aumento da contribuição das mulheres. Ou seja, basicamente, as mulheres estão meio que fazendo as contas e dizendo ‘não estou ganhando muito com isso. Por isso, estou saindo.’” Essa constatação explica por que dois terços das mulheres com menos de 30 anos têm namorado, enquanto apenas um terço dos homens está em um relacionamento, como observa o pesquisador americano.
No Brasil, a solução passa por uma reeducação emocional e social dos homens. A psicologia propõe os caminhos. Segundo a psicóloga Ludmylla Camargos, o Psicodrama, por exemplo, pode oferecer “espaços de escuta e expressão para que homens explorem seus conflitos de identidade”. Ludmylla enfatiza que é preciso “desconstruir criticamente os papéis impostos pela cultura patriarcal” e estimular “o desenvolvimento de papéis relacionais e criativos — como o de cuidador, amigo, parceiro, artista, educador.”
De forma prática, isso significa resgatar a espontaneidade e permitir que cada homem descubra seu próprio modo de existir, sem a imposição de modelos rígidos e ultrapassados. “O homem não precisa seguir um novo modelo fixo, mas descobrir o seu próprio jeito de ser homem, em conexão com seus valores e com o bem-estar coletivo”, conclui a psicóloga.
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